Texto curatorial
Ao nos habituarmos aos signos mais palatáveis das propagandas em letreiros e outdoors na paisagem urbana, o encontro com frases indecifráveis ou símbolos desconhecidos pode gerar algumas incertezas. Desenhos e palavras aparecem como uma interrupção no caminhar condicionado do dia-a-dia e às vezes podem mesmo nos chamar a atenção para o contexto urbano em que estão inscritas. O autor Jorge Bacelar, em Notas sobre a mais velha arte do mundo (2002), aposta que a aceitação de determinadas formas de graffiti e a resistência a outras, se deve ao fato de que a “total opacidade de significação para os ’de fora’, poderá igualmente ser uma das razões para a imediata rotulagem do graffiti como algo de marginal e nefasto: devido à sua ilegibilidade, afasta uma população habituada a seguir diariamente as mensagens publicitárias que estruturam o espaço público”. A insatisfação gerada com tais inserções deliberadas na cidade teria motivado a criação de leis contra a pichação, hoje considerada um tipo de crime ambiental ao lado do desmatamento e da poluição atmosférica, do vandalismo e da depredação de patrimônios públicos.
Interessado por essas classificações Renato Ren investigaria o que considera as questões primordiais do graffiti para além da tinta. A partir da experiência com uma prática mais tradicional surge em sua trajetória a necessidade de discutir outras possibilidades de intervenção urbana. Em Táticas de Graffiti e Não Graffiti, reflete sobre o crime ambiental de Mariana (MG), a inserção do indivíduo na cidade, a validação dos trabalhos de arte e sobre a própria noção do que é público. Durante cerca de nove meses de pesquisa, caminharia por diversos lugares da Grande Vitória, definindo estratégias de intervenção. É assim que desenvolve Crime Ambiental/Vandal Art, Planto Árvores, Manutenção Histórica/Calçada Portuguesa, Placa de Patrimônio, Letra em Bloco (Isto é graffiti), entre outros. Uma indicação crucial para o contato com essas intervenções é compreender que partem do entendimento do graffiti enquanto expressão escrita. A palavra é, para o artista, substância essencial de seus trabalhos, que emergem na urbe dialogando com os locais em que se inserem e seus habitantes.
O artista leva para a Galeria Homero Massena fotografias e vídeo dos trabalhos realizados. Faz, com esse gesto, uma reflexão sobre o que seria um movimento de captura do graffiti pelo sistema da arte, que não raras as vezes, leva parte de murais para dentro de galerias, entre outras subversões. Seria após a década de 1960 (com a emergência de práticas contemporâneas de performance e a ideia do trabalho de arte efêmero) que o registro e o esboço passariam a ser apresentados em exposições, muitas vezes à revelia dos artistas, com a mesma importância das obras em questão. Em Táticas de Graffiti e Não Graffiti o que está à/na mostra é uma parte do processo, um índice. O trabalho é uma ação que acontece de fato no espaço público, está sujeito aos apagamentos do tempo e às interfaces com a ação humana.
Assumir o graffiti como prática artística não é despotencializar suas questões fundamentais. O que está em jogo é a forma como poderá adentrar os espaços mais institucionalizados, abrindo a discussão sobre sua atuação no meio urbano e também em museus e galerias. Apesar de concordarmos com a inexistência de um lado de fora às instituições de arte, como propõe pensar a artista Andrea Fraser¹, é possível a existência do que corre à margem, tensiona os limites físicos e conceituais do dentro e fora. Por isso é importante observar como o movimento, mesmo que alvo de capturas como as comentadas anteriormente, ainda resiste em seu motivo condutor: parte sempre do ponto que, se é graffiti, independente da forma como se apresenta, está nas ruas, foi feito sem autorização e quer questionar o estado das coisas.
Clara Sampaio
Curadora
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¹ Aqui fazemos referência ao texto Da crítica às instituições a uma instituição da crítica (2005), In: Revista Concinnitas, ano 9, v. 2, n13, 2008, tradução de Gisele Ribeiro.
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Manutenção Histórica - Calçada Portuguesa
Técnica: Cerâmica
Dimensões: Variáveis
Ano: 2017
44 intervenções
Alecs
Pipa
Japão
Cyborg
Barbara 62
Taki 183
Futura 2000
Cornbread
Pacamã
Curimatã
Tilápia
Timburé
Em ação.
Letra em Bloco - Isto é Graffiti
Técnica: Texto em baixo relevo sobre bloco de concreto
Dimensões: (A x L x P) 6 x 19,5 x 9,5 cm
Ano: 2017
2 intervenções
Planta Baixa - Site Ocioso
Técnica: Stencil e tinta aerosol s/ vinil adesivo
Dimensões: (A x L) 29,7 x 21 cm
Ano: 2017
23 intervenções
Em ação.
Stencil
Planta baixa da galeria Homero Massena
Sobre Inserir-se / Inserir-se Sobre
Técnica: Stencil e tinta aerosol
Ano: 2017
18 intervenções
Placa de Patrimônio
Técnica: Texto feito com punção sobre alumínio reciclado
Dimensões: Variáveis
Ano: 2017
19 intervenções
No exterior do cubo branco
Patrimônio Nº 65
Texto relacional
Patrimônio Nº 65
Texto em transito
Patrimônio Nº 65
Publicidade conspurca a urbe
Patrimônio Nº
Dentro / Fora
Patrimônio Nº 65
Oi, Minha TAG é
Patrimônio Nº 65
Site Goitacás
Patrimônio Nº 65
Lugar geopolítico
Não lugar
Patrimônio Nº 65
Ferramenta 01
Ferramenta 02
Ferramenta 03
Intervenção do CEU
Técnica: Stencil e tinta aerosol s/ parede de obra abandonada
Dimensões: Variáveis
Ano: 2017
Planto Árvores
Técnica: Stencil e tinta aerosol
Dimensões: (A x L) 50 x 38 cm
Ano: 2017
34 intervenções
Crime Ambiental / Vandal Art
Técnica: Stencil, spray sobre papel e cola PVA
Dimensões: (A x L) 59,4 x 42 cm
Ano: 2017
6 intervenções
Foto: NASA - Criação: 8 de dezembro de 2015 - Foz do Rio Doce, Regência-ES.